terça-feira, 29 de julho de 2008

Lições de mestres do cinema: David Lynch

O Globo.

David Lynch por André Miranda



Depois de encantar e confundir milhões de espectadores mundo afora com obras como "Veludo azul", "A estrada perdida", "Cidade dos sonhos" e, seu filme mais recente, "Império dos sonhos", David Lynch vem ao Brasil pela primeira vez para mostrar sua nova faceta, a de escritor. O cineasta de 62 anos chega ao país no dia 2 de agosto para o lançamento de "Em águas profundas — Criatividade e meditação" (Gryphus), um livro em que ele explica como a meditação transcendental o tem ajudado a construir seus filmes. "Idéias são como peixes", diz Lynch, logo na introdução de seu livro. É justamente acerca de idéias e meditação que um simpático Lynch falou, por telefone, ao GLOBO. Entre elucubrações e revelações, um fato chama a atenção: o cineasta gostaria de encontrar o presidente Lula.

O senhor vem ao Brasil para lançar seu livro, "Em águas profundas", e sobretudo para falar de meditação transcendental. A meditação é tão importante assim na sua vida?

DAVID LYNCH: Eu comecei a meditar em 1 de julho de 1973, e venho meditando todos os dias desde então. É uma rotina muito fácil de seguir: são 20 minutos pela manhã, quando você acorda, e 20 minutos pela tarde, antes do jantar. A meditação transcendental é muito boa para a vida. Nela, você exercita um mantra, uma vibração de pensamento que remove o cansaço e o faz mergulhar naturalmente em certos níveis mentais e intelectuais. Você transcende e experimenta um oceano infinito de pura consciência. Uma das qualidades dessa consciência é a felicidade infinita. E essa é apenas uma das qualidades. Há outras, como a infinita inteligência, a infinita criatividade, o infinito amor, a infinita energia. É uma experiência que faz com que todos os aspectos da sua vida melhorem.

Mas é curioso ouvir como a meditação gera tanta alegria e, ao mesmo tempo, alguns de seus filmes são tão obscuros e tratam de questões, digamos, tristes da vida.

LYNCH: É curioso, eu sei. Mas eu amo idéias. Quando me apaixono por uma idéia, o cinema é o meio para expressá-la. Além disso, sempre digo que um artista não precisa sofrer para mostrar sofrimento. Da mesma forma que um diretor não precisa morrer para filmar uma cena de morte. Você pode se sentir muito feliz e fazer um filme muito obscuro. É assim que as coisas são.

Como sua fundação trabalha com a meditação?

LYNCH: O nome é Fundação David Lynch para a Educação Baseada na Consciência e Paz Mundial. A fundação quer desenvolver a potencialidade dos estudantes: com a meditação, eles descobrem como é fácil absorver novos ensinamentos intelectuais, suas notas sobem, eles melhoram o relacionamento. A fundação está buscando recursos para levar a meditação transcendental para todos os estudantes que a quiserem. Na América do Sul, nós já trabalhamos com 41 mil alunos.

Seus agentes tentaram agendar um encontro com o presidente Lula, não?

LYNCH: Eu adoraria me encontrar com ele.

Sobre o que o senhor gostaria de falar com ele?

LYNCH: Sobre a paz. O mais profundo amor da vida é um campo da paz dinâmica. É uma paz feita primeiro entre grupos e que, depois, pode afetar um país e até o mundo inteiro.

Quão longe o senhor iria para divulgar a meditação transcendental? Será que um dia vamos ver David Lynch no programa de Oprah Winfrey, pulando em cima do sofá e gritando que ama Katie Holmes, como fez Tom Cruise para divulgar a Cientologia?

LYNCH: Não, não. Eu aceito ir a qualquer lugar falar sobre o tema porque percebo que as pessoas estão bastante receptivas a conhecimentos. Mas a meditação não é uma religião, um culto ou uma seita. Pessoas de qualquer religião podem meditar. Nós começamos, por exemplo, um trabalho numa escola que era considerada a pior de seu estado nos EUA. E, em um ano, essa escola deu um giro de 180 graus: diminuiu a violência, o sofrimento e a depressão.

Voltando ao cinema, o senhor diz no livro que não preparou um roteiro para "Império dos sonhos" e que foi escrevendo as cenas durante as filmagens. Como foi isso?

LYNCH: Todos os roteiros que eu havia escrito começaram com uma história. Só que eu não as filmo logo: eu as salvo e depois as transformo em roteiro. Com "Império dos sonhos", porém, eu não sabia o que estava por vir. Eu tive uma idéia e a filmei. Aí tive outra idéia, que achei não ter relação com a primeira, e a filmei também. Fiz quatro cenas dessa forma. Então comecei a ter idéias que poderiam juntar essas cenas. Só então começamos a filmar de um jeito mais tradicional.

Então um filme, para o senhor, depende de uma idéia?

LYNCH: Tudo o que os seres humanos fazem começam com idéias. E, se você quiser levar sua idéias para níveis mais profundos, é preciso expandir sua consciência.

Os espectadores usualmente deixam as sessões de muitos de seus filmes com sensações estranhas, imaginando se entenderam completamente o que viram. Isso é proposital?

LYNCH: Não, eu não tento fazer nada que não seja fiel à idéia. Eu gosto de abstrações, mas também gosto de coisas concretas. A diferença é que, no abstrato, as interpretações se alargam. O Sam sai do cinema pensando numa coisa, e a Sally, em outra. Depois, eles se juntam, conversam e percebem que entenderam muito mais do que pensavam.

O senhor acha que falta criatividade para o cinema que é feito hoje no mundo?

LYNCH: Os filmes vão mudar, mas nunca vão acabar. Se você quer mais criatividade, mergulhe dentro de si mesmo e experimente o oceano da criatividade infinita. Molhe-se e saia com mais, mais e mais criatividade. A criatividade está lá, está nos seres humanos.

Seus filmes são sempre relacionados a sonhos. O senhor prefere sonhos ou pesadelos?

LYNCH: Eu sonho, mas não tenho idéias a partir de meus sonhos. Prefiro sonhar acordado e tirar idéias daí. Gosto dos sonhos lógicos. Mas, respondendo à sua pergunta, eu prefiro ter um lindo sonho do que um pesadelo. Acho que é assim com todas as pessoas do mundo.

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